sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

The Sound of Silence

Falta de assunto,
acontece várias vezes.
Não porque realmente não tenhamos assunto algum,
mas porque há tantos possíveis,
que nenhum parece relevante.
E mais: ficamos tão preocupados em encontrar um assunto
para preencher um silêncio em uma conversa,
que acabamos não falando nada,
ou simplesmente falando sobre o tempo,
ou sobre o último capítulo da novela das oito.

Tiago e eu vivemos sem assunto ao telefone
e, estranhamente, nossas conversas normalmente são longas.
Dia desses, algo nos levou a falar sobre a chuva,
e ele, sabiamente, lembrou-se de um verso
do meu amado Mario Quintana:

"Esses que puxam conversa sobre se chove ou não chove - não poderão ir para o céu! Lá faz sempre bom tempo..."

De fato, dificilmente conseguimos suportar
um longo período de silêncio diante de outrem.

Em uma madrugada qualquer
eu estava vendo tv quando começou
“Everybody Loves Raymond”, na Sony.
O Ray é casado com a Debra
há sei lá quantos anos.
Em um dia dos namorados,
eles vão para um restaurante
e não têm assunto algum.
Daí, ficam horas falando sobre
o pão e a manteiga.

Chegando em casa,
Debra começa a reclamar
da falta de assunto entre eles,
afinal, eles só conversavam sobre
família ou contavam antigas histórias
que já estavam cansados de ouvir
e de contar.

Não vou contar o episódio inteiro,
que nem foi tão brilhante assim.

Vou apenas tomar emprestado
algo que achei interessante
e sobre o qual me deu vontade de escrever.
Inclusive, vou logo avisando:
O assunto agora não é mais
“falta de assunto”,
e sim, “excesso de silêncio”.

Não é sobre experiências pessoais
com o silêncio,
mas sobre experiências coletivas
com ele.

Já há algum tempo
eu venho observando como as pessoas
respondem ao silêncio
quando têm outras pessoas à volta.

O silêncio incomoda.

Muitas vezes, quando duas ou mais pessoas estão assistindo a um filme
e, de repente, em uma cena,
faz-se silêncio,
começa-se a procurar alguma coisa,
não sei o quê.

É como se apenas a imagem não bastasse,
não fosse o suficiente para preencher aquele momento.
É preciso que haja algo mais:
um diálogo, uma música,
Sei lá!  Qualquer coisa!

Por vezes é neste silêncio que começam a comentar o filme
ou falar sobre algum outro assunto que, porventura, antes houvesse escapado.

John Cage, artista contemporâneo norte-americano,
criou muitas obras experimentais com a música,
inclusive, a famosa 4’33”, em 1953.

4’33” é uma música composta inteiramente por pausas,
ou melhor, por silêncios.
Em sua primeira apresentação pública,
o pianista que ia interpretar a peça
entrou no palco em silêncio,
abriu a tampa do piano,
e ficou parado, olhando para a partitura
e acompanhando as pausas descritas.

O silêncio só era interrompido
para que o pianista virasse as páginas das partituras,
ou para que ele fechasse e abrisse novamente
a tampa do piano,
indicando o início de um novo movimento
– ainda de pausas –
da música.

A princípio, o público ficou quieto,
tentando entender o que se passava.
Após um breve tempo, iniciaram-se os cochichos,
as conversas, e as reclamações. 
Quatro minutos e trinta e três segundos
foi o tempo máximo que o público conseguiu ouvir o silêncio sem reclamar.

No meu primeiro semestre na faculdade,
tive uma matéria de História da Arte
onde estudamos arte contemporânea. 
Na sala, nunca ninguém havia ouvido
falar de John Cage ou do seu experimentalismo. 
Então, o professor passou uma fita
com a apresentação da obra 4’33”. 

A reação dos estudantes foi a mesma do público. 
Primeiro, ficaram todos calados,
apreensivos com o início da música. 
Conforme o tempo foi se passando e não se ouviu nenhuma nota do piano,
começaram a surgir ruídos, risadas, comentários e reclamações.

Depois, o professor explicou a intenção de Cage,
que não compôs uma música apenas de silêncio,
mas pelos sons ambientes dentro do teatro. 

Assim, cada vez que 4’33” é apresentada,
é uma música diferente,
composta pelos silêncios e ruídos de cada platéia.

Ainda testando sua criação, Cage ouviu-a
dentro de uma sala onde som algum penetrava. 

Mesmo assim, ele não pode ouvir o silêncio absoluto:
ouvia os ruídos de seu coração pulsando e de sua respiração.

Não é possível que haja silêncio absoluto onde tem alguém.
Muito menos onde há duas ou mais pessoas.

Ainda assim, é com medo desse silêncio absoluto
que as pessoas não se sentem confortáveis em silêncio.

Minha mãe é uma dessas pessoas.
Ela não consegue estar na presença de outra
sem falar ou ouvir algo.

Sabrina também é assim.
Só que ela chega ao extremo de dizer
qualquer primeira bobagem que passa pela cabeça
a fim de quebrar o silêncio.

Muitas vezes, quando eu estou perto
de alguém que não conheço muito bem,
sinto-me nessa obrigação de quebrar o silêncio,
para não parecer que não estou gostando da companhia
ou que a situação está desconfortável.

Engraçado.

Acho que isso acontece a muitas pessoas,
que ficam procurando assunto
por estarem em uma situação desconfortável
sem querer mostrá-la.

No tal episódio que eu vi, eles falavam também
de um silêncio ao qual eu já me referi,
alguma vez, por aqui: o silêncio reconfortante,
aquele que se dá entre duas pessoas
que se conhecem há muito tempo e se amam.

Creio que seja uma situação cada vez mais rara,
onde você consegue andar ao lado de alguém sem falar nada,
e sentir-se confortável ainda assim.

Conseguir ficar ao lado de uma pessoa,
trocando longos olhares recíprocos,
sem dizer uma só palavra,
mas, mesmo assim,
conversar através do olhar.

“O silêncio não sustenta o peso de longos olhares recíprocos, exceto nos filmes de amor, e nem mesmo nos filmes de amor porque ali, quando cessa o diálogo, o diretor sempre coloca uma música.” (Chico Buarque, Benjamim)

Chico Buarque parece não acreditar na existência disso.
Eu, tento acreditar.
Mas não sei se, de fato, o silêncio pode
sustentar “o peso de longos olhares recíprocos”...

O que sei, de fato,
é que é possível sentir-se bem na presença de outrem
sem a necessidade de um ruído sequer.
Que, só de estar na presença do outro
– que pode até estar dormindo,
ou em outro cômodo,
ou conversando com outra pessoa... –,
só de sentir a presença do outro,
parece que a vida ganha mais significado,
e que o mundo se torna um lugar mais agradável...

Enfim, não falemos mais nada.
Fiquemos todos no mais profundo e terno silêncio,
onde só podemos ouvir as nossas respirações
 e o bater dos nossos corações
– e, sinceramente, o que de mais belo e simples poderíamos escutar?

(Acho que é de 2003)

domingo, 4 de setembro de 2011

saudade

sonhei com você

era tanta saudade
que vazava pelos olhos
e voava pelos ares

seu cabelo era grisalho,
não sei se do tempo
ou mero acaso de sonho

eu te via a distância,
e sorria
e chorava
e corria
e mergulhava em seus braços

assim,
em seu abraço,
com lágrimas ainda nos olhos,
mas um sorriso nos lábios,
acordei.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Gris

Anda pela ruas como quem procura algo...
Mas o quê?
dinheiro, sexo, um amigo, uma xícara de café?
É noite, mais uma noite, depois de mais um dia
   em que nada extraordinário aconteceu.
Mas talvez não reconhecesse o extraordinário se aparecesse em sua frente com um letreiro de neon na cabeça e lhe desse um sonoro tapa na cara.

Esta noite faz frio.
Mesmo o casaco, as luvas, as meias, o cachecol,
nada é suficiente para aquecer.
Talvez nem faça tanto frio assim, não sabe,
por dentro, sente nevar   .    .            .   .
 .      .                    .          . .                     .
.                  .    .        .                     .
.         . never          . .  .
  .                      .                            .                      .
          . 
aquele Adeus foi de quem nunca mais vai voltar, pode ouvir se repetindo em sua cabeça,
e é isso, talvez nunca mais volte mesmo, embora não tenha dito nada nesse sentido, mas é assim que o fez sentir, foi assim que fez nevar.

“Tenho que ir”, ele disse.
Uma luz se apagou dentro dela, que fechou os olhos e suspirou, como se derrotada, “Adeus”.

Talvez deva parar de andar, de procurar, e voltar. O que está procurando mesmo?
Lembra da história do avozinho que procurava os óculos que estavam o tempo todo na ponta do nariz, versinho do Quintana, ah, o Quintana dela!
E então se enche de saudades, saudades futuras, na verdade, e se aquilo foi mesmo um Adeus, assim, com letra maiúscula? Adeus de nunca mais, nunca, never, neve.

O sangue congela com esse último pensamento e para de andar. Não pode ser. Nunca? Nunquinha? É tempo demais, um disparate, um desperdício.
Não sabe o que fez pra merecer aquele Adeus, mas tem que desfazer, tem que se desculpar, do que quer que tenha sido, de qualquer coisa, sei lá!
Então corre, corre como não corria desde criança, corre voltando, em desespero.
A noite já virou madrugada, quase ninguém na rua, então pode correr com todo desalinho, despreparo, destempero.
O corpo se aquece, está quase chegando, falta pouco, respira, o ar foge, para um pouco, inspira, expira, inspira, expira, e quando chegar, o que vai dizer? E se for tarde demais? Não pode ser! inspira, volta a correr, pensa que devia parar de fumar, expira, corre mais rápido, começa a chover.
Mas, espera!, o chão não está molhado, nem o cabelo, nem as roupas, só os olhos. Ótimo, não bastassem os músculos doendo, a falta de ar, agora chove e mal consegue enxergar o caminho a sua frente!

De repente, a visão turva pelas lágrimas, quer dizer, chuva, não bem o impede de enxergar, não, repara bem, é o contrário: de onde vieram a chuva, a neve, o desespero? É óbvio! Como não viu antes?

Inspira, expira, suspira. Que alívio! Chegou, não é tarde demais, toca a campainha, espera, ouve passos se aproximando, ela abre a porta, os olhos vermelhos, esteve chorando, mas por quê? O que aconteceu? O que ele fez? Não pode ser Adeus! Não se passaram dois segundos desde que abriu a porta, ela franze a testa, como quem pergunta o que ele está fazendo ali, de repente, àquela hora. E ele não fala nada, não sabe o que dizer, teve uma epifania e resolveu voltar, nunca mais quer ouvir adeus, não sabe explicar, mas é isso, é o extraordinário com um letreiro de neon na cabeça lhe dando um tapa na cara. É isso, o que procurava a vida toda. Ela sorri timidamente, ele sente a neve derreter, o peito se aquece, parece até que as estrelas brilham mais e as cores se avivam, mas isso certamente é sua imaginação.

Aquele Adeus, não foi bem o que ele fez, foi mais o que deixou de fazer.

“Você não tinha que ir?”, ela pergunta, com uma ponta de desconfiança e outra de esperança.
Ele, que finalmente recuperou o fôlego, sorri. “Achei meus óculos”.




Da Felicidade
Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura,
Tendo-os na ponta do nariz!
(Mario Quintana)

sábado, 23 de abril de 2011

Distração

É você minha inspiração,
meu refrão,
meu amigo.
Meu abrigo nos dias de chuva
e nos de sol, meu sorriso

quinta-feira, 7 de abril de 2011

shush!

é a pele que faz as introduções
deixa os corpos fazerem sua dança,
acertarem seus passos

deixa os cheiros se entrelaçarem,
os sons se confundirem,
os gostos se (a)provarem

cale-se,
nem uma palavra é suficiente
ou necessária

então não pense,
não fale,
deixe apenas as almas conversarem

segunda-feira, 7 de março de 2011

Reencontro

Uma história em três atos


(…) Danem-se os astros, os autos, os signos, os dogmas
Os búzios, as bulas, anúncios, tratados, ciganas, projetos
Profetas, sinopses, espelhos, conselhos
Se dane o evangelho e todos os orixás
Serás o meu amor, serás, amor, a minha paz
Consta na pauta, no Karma, na carne, passou na novela
Está no seguro, pixaram no muro, mandei fazer um cartaz
Serás o meu amor, serás a minha paz
Consta nos mapas, nos lábios, nos lápis
Consta nos Ovnis, no Pravda, na Vodca”


 Ato 3

- Esperando alguém?
- Você. Tinha certeza de que ia lhe encontrar aqui, então vim.
- As estrelas disseram?
- Por aí. Esperando alguém?
- Na verdade não. Estava de passagem, vi você, vim até aqui. Não podia decepcionar as estrelas.
- E o advogado?
- Você tinha razão. Namoramos por dois meses e eu entendi que não tinha futuro. Era sempre um papo muito chato.
- Esses advogados...
- Agora estou solteira. Livre, leve e solta.
- Como havia de ser!
- E é. E a menina pouco brilhante? Virou ex mesmo?
- Virou. Ela me trocou por um estudante de medicina. Acredita?!
- Nossa, será que era Ele!?
- Não sei. Mas foi bom, pelo menos eu não precisei me sentir culpado por terminar com Ela.
- Aposto que você até se fez de muito magoado para Ela se sentir culpada.
- Ah, só um pouco...
- Vocês, homens, são sempre assim: detestam terminar namoros. Preferem que as mulheres terminem para não precisarem sentir culpa.
- Não é bem assim. Foi para o bem dela. Tenho certeza que ela ficou muito mais feliz acreditando que eu queria continuar o namoro do que se eu tivesse terminado.
- O estranho é que esse raciocínio tem bastante lógica. E até um quê de romantismo.
- Claro que tem, eu sou romântico, já disse. Falando em romances, será que chegou a nossa hora?
- Pergunte às estrelas.
- Elas não sabem. São só estrelas, não bolas de cristal. Nem relógio.
- Você tinha razão, você é estranho.
- Eu avisei.
- Só num terceiro encontro para perceber.
- É meu charme. O maior de todos.
- Conceitos estranhos...
- Ah, disso você já sabia! Você deve mesmo ser minha lagosta.
- Você vê friends! As chances de você ser minha lagosta aumentaram exponencialmente.
- Nossos encontros e desencontros não podem ser por mero acaso.
- Isso já tá virando filme.
- Dirigidos por Sofia Coppola. É, acho que temos futuro. Ela pode até dirigir, mas nós fazemos o roteiro.
- Então vamos logo combinar: nada de filme de terror. Suspense, só de vez em quando.
- Comédia romântica ou filme cabeça?
- Sejamos cult, enquanto pudermos. Mas não muito, pra não cansar.
- Antes de mais nada, eu devo confessar uma coisa.
- Então vamos começar com confissões?! Espero que não vire filme religioso... ou pior, policial. Não matou ninguém, né? Seria muito estranho ter que ligar pro ex-namorado...
- Estranho, desagradável, tanto faz. Mas não matei ninguém, pelo menos que eu saiba. E também não é nada que me obrigue a rezar um rosário para me redimir.
- Você não tem mesmo a menor cara de quem reza rosários...
- Nem sei no que consiste, na verdade. Mas para de me enrolar e deixa-me confessar: desde que nos conhecemos, sempre marco meus encontros aqui.
- Eu sou mesmo irresistível, é o meu charme!
- E pretensiosa...
- Aprendi com você!
- Sorte que em você funciona.
- Bem, já que estamos confessando...
- Acho que mais cedo ou mais tarde vamos ter que descobrir como se reza um rosário!
- (risos) Eu também. Também acho e também marquei muitos encontros por aqui na esperança de rever você.
- É, teria sido mais fácil se você tivesse me dado o seu telefone…
- Nem sempre o melhor caminho é o mais fácil, né!
- Dificilmente é o mais divertido também.
- Então vem, vamos nos divertir.
- Fácil assim?
- Prefere esperar outro encontro casual?
- Claro! não sei começar nada sem meu charme de 15 minutos atrasado.
- Eu não abusaria da sorte…
- Peraí.

Alex sai. Marcela fica olhando, sem entender nada, até ele virar a esquina e sumir de seu campo de visão. Ela pensa que talvez ele tenha ido telefonar pra desmarcar o encontro que estava esperando, então espera. E espera mais um pouco. Depois de 5 minutos, começa a pensar que ele deve ter ido ao banheiro. Ou ele tinha marcado vários encontros com várias pessoas. Não… será? Não!… Depois de 10 minutos, já irritada com aquela espera toda, ela começa a reparar que os sapatos que está calçando aperta  os dedões dos pés, o que a deixa ainda mais irritada! De repente, ela é abraçada pelas costas, mas nem tem muito tempo de se assustar e sente um beijo em seu rosto, muito carinhoso, beijo de gente culpada.

- Estou há quinze minutos te esperando, aff! Esse seu charme não funcionou comigo. - Ela fala olhando pra ele, franzindo a testa e cruzando os braços. Faz até um bico indignado pra completar a pose.
- Eu não acabei ainda. - E, de surpresa, dá um beijo nela, na boca dessa vez, né!, desmanchando aquele biquinho, e bom, hummm.
- Hummm... então é esse o seu charme...

quarta-feira, 2 de março de 2011

Desencontro

Uma história em três atos

“(… )Mas se a ciência provar o contrário, e se o calendário nos contrariar
Mas se o destino insistir em nos separar (…)

Ato 2

- Você marca todos os seus encontros aqui? – Ela o surpreende com um sorriso no rosto.
- Só quando você marca os seus.
- Como você sabe que vou encontrar alguém?
- Elementar. Eu sou sua versão masculina, lembra?
- Somos almas gêmeas.
- Muito provavelmente. Ele tá atrasado?
- Não, ainda não. Dessa vez eu cheguei na hora. Ele tem quinze minutos de tolerância.
- É o médico?
- Não, é outro. O médico virou ex mesmo.
- Namorado?
- Não exatamente. Pelo menos não por enquanto e não com o rótulo.
- Imitadora.
- E você, esperando a futura namorada em potencial, pouco brilhante?
- Não é mais futura. Agora é atual. Pelo menos por enquanto.
- Já pensando em terminar?
- Nós nos desencontramos muito, não está funcionando. Pelo menos eu já tenho o telefone dela.
- E já ligou?
- Não. Talvez seja um agravante para os nossos problemas de comunicação. Ela vive reclamando que eu nunca ligo.
- Mas esse é o seu charme!
- Pois é! Só você me entende…
- E só porque eu sou sua versão feminina. Caso contrário, também não entenderia.
- Ainda bem que a vida não é feita de casos-contrários. Este seu não-namorado vai virar namorado?
- Não sei. Ele até tem potencial, mas vamos ver. Está em fase de testes.
- Não vai dar certo.
- Não rogue praga!
- Não é praga, é fato. Esse não namoro está fadado ao fracasso. Tá escrito nas estrelas.
- Você tem estrelas cultas!
- E bregas, eu sei. Mas sábias.
- E porque elas dizem que não vai dar certo?
- Por que ele não é sua alma gêmea. Nós já sabemos disso.
- Muito platônico você.
- Eu sei, não posso evitar. Sou um romântico incurável.
- Seu novo charme.
- Aquele nosso encontro… Eu não pude vir.
- Não importa, eu também não pude. De qualquer forma, nos encontramos. E sem marcar.
- Encarando de outra forma, nós dois viemos. Com algumas semanas de atraso.
- Pontuais em nossos atrasos. Definitivamente almas gêmeas.
- Desencontradas, mas gêmeas.
- Ela está muito atrasada?
- Na verdade, nem um pouco. Eu que cheguei cedo.
- Nossa, que avanço, você chegou cedo!
- Eu estava por perto e sem nada para fazer. Cheguei aqui poucos minutos antes de você.
- Ainda bem que você não me deixou esperando!
- Eu nunca faria isso, você poderia ficar traumatizada.
- Ficaria mesmo, sem dúvidas.
- Esse agora também quer ser médico?
- Não. Advogado.
- Advogado?! Tá vendo só, que futuro isso pode ter?
- Ah, advogados não são tão ruins…
- Você diz isso porque ainda não é seu namorado. Se fosse, você pensaria diferente.
- Talvez. Só vou saber quando for.
- Não perca seu tempo, largue logo dele. Não vai dar certo, você sempre vai pensar em mim.
- Pretensioso, você!
- Realista, acima de tudo.
- Já que está escrito nas estrelas, não precisamos nos preocupar.
- Mas podíamos nos poupar um bom tempo.
- "Não se afobe não que nada é pra já..." Quem sabe um dia a gente se encontra, livres e desimpedidos. Sem futuros namorados em potencial ou atuais futuros ex.
- Falando nisso, ela está vindo. Até a próxima vez, Marcela.
- Até lá, Alex.
- Preste mais atenção às estrelas.
- Elas são bregas, mas sábias, né?!
- Não duvide.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Encontro

Uma história em três atos


Consta nos astros, nos signos, nos búzios
Eu li num anúncio, eu vi no espelho, tá lá no evangelho, garantem os orixás
Serás o meu amor, serás a minha paz
Consta nos autos, nas bulas, nos dogmas
Eu fiz uma tese, eu li num tratado, está computado nos dados oficiais
Serás o meu amor, serás a minha paz (…)”

Ato 1

- Que horas são?
- Já são sete e trinta e dois. Maldito!
- Desculpa!
- Não, não é com você…
- Ele tá atrasado?
- Como você sabe que é Ele?
- Quem mais poderia ser?
- Verdade… E está. Marcou comigo às sete em ponto. Estou aqui desde dez para as sete e nada do infeliz.
- Namorado?
- Não sei. Costumava ser, mas temos brigado e nos desencontrado tanto, que marcamos pra conversar. Hoje, trinta e dois minutos atrás. Estou criando raízes aqui e nada dele. Eu mereço. É vingança, tenho certeza… Não devia tê-lo feito me esperar tantas vezes. Aqui se faz, aqui se paga.
- É o que dizem.
- Não sei se continuo esperando ou se aceito logo que levei um bolo e vou-me embora.
- Espere um pouco mais, faça-me companhia.
- Ela está atrasada?
- Como você sabe que é Ela?
- E quem mais haveria de ser?
- É, você tem razão. Eu sou a sua versão masculina.
- Marcaram que horas?
- Sete e dez. Eu cheguei atrasado. Saí de casa às sete e dez.
- Ela é pontual?
- Costuma ser.
- Namorada?
- Não exatamente. Pelo menos não por enquanto, não com o rótulo.
- Entendo... Você sempre se atrasa?
- Normalmente. Eu sempre acho que dá tempo de chegar em qualquer lugar em dois minutos. Nunca conto o tempo que demora pra pegar o carro, estacionar, chegar ao lugar marcado… Se bem que hoje eu nem me atrasei muito. Dez minutos não é praticamente nada.
- É um tempo razoável. Ele sempre se atrasa também. Mas nunca mais de dez minutos, é a primeira vez. Só porque eu cheguei antes! Vai ver Ela previu seu atraso e resolveu se atrasar mais quinze minutos, pra fazer um charme.
- Ela não é tão esperta assim.
- Coitada da sua futura namorada. Você não é nada romântico.
- Romântico eu até sou, mas realista, acima de tudo.
- Ela deve estar com Ele.
- E Murphy. Todos juntos. Isso sim é romântico. Vocês namoram há muito tempo?
- Bastante. Seis meses, mais ou menos. E em seis meses ele nunca se atrasou mais de dez minutos. Só hoje, e só porque eu cheguei cedo. Ninguém merece.
- É pra você aprender a nunca chegar na hora, muito menos antes.
- Lição aprendida. Se bem que você chegou atrasado e não adiantou nada.
- Eu tenho que aprender a chegar na hora. Ela já deve ter vindo aqui. Não me encontrou, não quis esperar e foi-se embora.
- Será? Nada charmosa.
- Nem esperta, como eu disse.
- Sete e quarenta e três. Acho que eu já esperei demais.
- Você já tentou ligar pra Ele?
- Tentei. Fora da área de cobertura ou desligado. Como sempre. Não sei pra quê Ele tem um telefone.
- Pra dar “fora da área de cobertura ou desligado”. É um charme.
- Seu conceito de charme é meio esquisito.
- Todos os meus conceitos são meio esquisitos. Assim como eu.
- Você não me parece esquisito.
- Você é que me conhece pouco.
- Fato. Dez minutos não é tempo suficiente pra se conhecer alguém.
- Só é tempo suficiente para se atrasar.
- E pra esperar. Devia existir um estatuto do atraso e da espera. Tempo máximo pra alguém se atrasar: quinze minutos. Tempo máximo pra se esperar por alguém: vinte. O mundo seria um lugar mais tranqüilo.
- E teria menos gente na rua.
- Com certeza. Você já tentou ligar pra Ela?
- Eu nunca ligo pra Ela. Esse é o meu charme. Ela é quem me liga.
- Então Ela deve estar se vingando, fazendo você esperar tempo o suficiente pra cansar e ligar.
- Não vai funcionar. Eu não tenho o telefone dela.
- Você não tem o telefone da sua futura namorada em potencial?
- Pra quê se eu não ligo?
- Exatamente para eventualidades como essa. Se existe a possibilidade de vocês namorarem, acho que você devia pelo menos ter o número. Ainda que seja para não ligar.
- Tudo bem, você venceu. Assim que eu a encontrar, anoto o telefone.
- Muito bem. Dê mais valor a Ela. O meu namorado, por exemplo, teria maiores chances de continuar sendo meu namorado se telefonasse pra dizer que ia se atrasar.
- Você está mesmo pensando em terminar?
- Cada vez mais sério. Eu ouço mais a gravação de “fora da área de cobertura ou desligado” do que a voz dele desde que começou a faculdade. Maldita faculdade.
- Ele faz o que?
- Medicina. Quer salvar o mundo. E me deixar esperando.
- Ele deve estar treinando. Todo médico faz questão de nos deixar esperando, nunca atendem na hora marcada.
- Ótimo. Agora virei paciente estagiária do meu futuro ex-namorado. E a sua futura namorada está aprendendo com Ele.
- Ela não é tão esperta pra fazer medicina. Nem faculdade faz.
- Você fala dela como se ela fosse uma besta quadrada.
- Não é quadrada. Pelo menos por enquanto. Mas há uma grande chance de se tornar redonda daqui a uns vinte anos.
- Nossa, que amor!
- Pra você ver, Ela é pouco brilhante, mas mesmo assim eu gosto.
- Enfim romântico.
- Viu?! Estou aprendendo. Vou até anotar o telefone dela!
- Parabéns! Quem sabe um dia você liga, né?
- É, quem sabe!
- Sete e cinqüenta e três. Ainda bem que encontrei você. O tempo está passando mais rápido.
- O tempo é uma criatura interessante. Um minuto sempre tem mais de sessenta segundos quando você não está fazendo nada.
- E menos quando você está.
- De qualquer forma, quase quarenta minutos é demais para um atraso, né? Mesmo que eu só esteja aqui há vinte e cinco, e que os últimos vinte e poucos tenham voado.
- Verdade. Acho que já podemos ir embora sem sentir culpa por não termos esperado.
- Seria um desperdício.
- Ir embora?
- Esperar tanto tempo para nada.
- Quer tomar um café então?
- Falou a palavra mágica!
- Ótimo, estou morrendo por um café.
- Alex, muito prazer.
- Marcela.

Os dois vão tomar um café. Ela liga para o Alex e conta que a mãe começou a passar mal e por isso não pôde ir. Pede que ele vá até sua casa para se verem. Marcela liga de novo para Ele e consegue completar a ligação. Ele diz que está esperando há dez minutos e ela não aparece. Marcela descobre que tinham marcado às oito, não às sete. Marcela e Alex se despedem. Marcela vai ao encontro dele e Alex para a casa dela.

- Foi muito bom esperar e tomar um café com você.
- Igualmente. Quando decidir confundir o horário e ficar uma hora esperando à toa, pode me chamar.
- Eu já tenho uma qualidade para ser sua futura namorada em potencial, tá vendo?! Também não sou muito brilhante…
- Você tem outras qualidades para ser minha futura namorada em potencial. Falta de brilhantismo não é uma delas.
- Bom saber. Ainda tenho potencial.
- Quando lhe vejo de novo?
- Que tal daqui a um mês, no mesmo lugar em que nos conhecemos. Às sete e meia?
- Sem atrasos?
- Com quinze minutos de tolerância, nem mais nem menos.
- Você vai me dar seu telefone pro caso de eu me atrasar mais?
- Pra quê, você não vai ligar. É seu charme.
- Verdade. Então nos vemos mês que vem.
- Até lá. Bom começo de namoro pra você.
- E bom término pra você.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Goiabeira


Da janela da sala vejo uma goiabeira. Não entendo nada de árvores e seu relacionamento com as estações, mas mesmo à distância do meu astigmatismo, aquelas parecem jovens goiabas. É uma árvore alta, de tronco meio camuflado, cheia de folhas verdes – as mesmas folhas que na época marrom do ano se amontoam em minha varanda. Há quanto tempo será que esta árvore está ali? Qual será sua história? A goiabeira é vizinha do que deve ser um pé de abacate. E de outra árvore que me parece uma mangueira. Mais além há um coqueiro e muitas outras árvores que não imagino quais sejam seus frutos, mas que, pela altura dos galhos, sei que já presenciaram muitos anos de acontecimentos desta cidade. Provavelmente todas elas já estavam aqui quando este prédio foi construído. Devem ter alimentado os operários enquanto misturavam o cimento e empilhavam os tijolos. Mais tarde, serviram seus frutos aos primeiros moradores, possivelmente na época em que ainda havia bondes em Niterói e a ponte não era nem um sonho. E continuaram ali por todos os anos, despedindo-se das pessoas que iam embora saudosas e recebendo as que chegavam cheias de esperança. Quando eu me mudei pra cá, há quase dois anos, também era época de goiabas. Lembro de pensar em amarrar uma latinha na ponta de um cabo de vassoura para colher as frutas, coisa que até hoje não fiz. De repente corre um vento e… plaft! Uma goiaba cai sobre o teto da casa vizinha. Plaft!, outra. Quanto o mundo já mudou desde que essas árvores foram plantadas? Sei que, desde que eu me mudei pra cá, muito já mudou. No mundo e em mim. E nenhuma dessas árvores precisou fazer nada para que isso acontecesse… O tempo vai passando, invisível, como o vento, mudando tudo ao redor tão sutilmente, que é preciso que se passem anos até que percebamos. Tudo muda. Eu, por exemplo, estou me mudando, mês que vem. Vou abandonar esta goiabeira sem nunca ter provado um de seus frutos, deixando-a como testemunha dos frutos metafóricos que eu plantei por aqui. Não sei se eu fiz alguma diferença na vida desta árvore, mas sei que ela, mesmo imóvel, calada e além da grade, fez alguma diferença na minha.
E ainda há quem se recuse a ser revolucionário dizendo que nada adianta, que o mundo nunca vai mudar… Enxergar é preciso!

----------------------------

(Esse é antigo, mais exatamente de 22/03/2006, quando eu estava terminando a 1ª faculdade, saindo de Niterói e voltando pro Rio. Mas acho que nunca tinha publicado. Então, voilà - Só enquanto não ajeito o antigo que pretendo republicar e que ainda não tem fim)

sábado, 19 de fevereiro de 2011

*desliga você primeiro*

- Eu te amo

- Eu te amo mais

- Mentira

- Você não acredita que eu te amo.

- Acredito, mas eu é que te amo mais

- Claro que não. Eu é que te amo muito mais

- Como é que você sabe?

- Simples, é impossível que você me ame mais do que eu te amo. Amor maior não há.

- Impossível é que eu seja mais brega do que você... Fora isso, é claro que eu amo mais, você não tem como saber

- Mas eu sei

- Sabe como?

- Eu sei, oras, e isso basta.

- “E isso basta”, aff, que tipo de argumento mais vazio é esse?! Aliás, isso nem é um argumento: é um não-argumento. E dos ruins.

- Desculpa, eu não sabia que tinha que redigir uma petição, um ofício e um memorando explicando que eu te amo e chamar perícia pra mensurar o quanto amo.

- Deixa de ser bobo! Eu só estou dizendo que não tem como você saber se me ama mais do que eu te amo.

- Então como é que você pode dizer que me ama mais?

- Porque é evidente que amo.

- Evidente? Evidente como?

- Ah, eu sou mulher, mulheres sabem dessas coisas.

- Não vale atribuir ao gênero! Quer dizer que eu sou geneticamente incapacitado de amar mais? Isso é absurdo!

- Não é absurdo! Mulheres são notoriamente conhecidas por serem mais sensíveis e sentimentais. Daí, eu amo mais.

- Não, você deve estar se confundindo: mulheres são notoriamente conhecidas por serem menos razoáveis. Daí, você é louca. E eu amo mais.

- Ei, eu sou razoável!

- Então você me ama mais ou menos. Porque uma pessoa razoável, não é oito nem oitenta, é o meio-termo.

- Aff! Eu odeio quando você vem todo cheio de lógica pra cima de mim!

- Você quem pediu, eu estava simplesmente dizendo que eu sei que amo mais e isso basta. Você que não aceitou.

- Então tá, me diz, por que você me ama?

- Por que eu te amo? Porque sim, ora!

- “Porque sim, ora!”, você está cheio de não-argumentos hoje!

- Ai, lá vamos nós de novo pra petição, o ofício e o memorando… Eu te amo porque… porque… ah, já sei! Porque você é luz, é raio, estrela e luar…

- Aff! Meu iaiá meu ioiô, mesmo, a essa hora?

- Por que? Tem hora própria pra isso?

- Não, aparentemente qualquer hora é hora de ser brega…

- Que mania de me chamar de brega!

- Não é mania, é apenas a constatação de um fato.

- Tá bom, mas eu sou o seu brega.

- Ownnn... Agora para de fugir do assunto. Por que você me ama?

- Hmmmm... Sabe aquele poema do Camões? O mais conhecido, que diz que o amor é fogo que arde sem se ver, ferida que dói e não se sente, é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer… Então, é assim que eu sinto por você e só por você.

- Ah, que lindo! Citando Camões! Se eu já te amava mais antes…

- Que cisma!

- O que posso fazer? Você só me faz te amar mais e mais...

- Já sei, então! Não te chamo mais de meu amor, minha vida. Você é minha privada entupida!

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Onde houver angústia... as asas



Ti,

Eu não gosto de chorar.
Nunca gostei, desde pequena, criança mesmo, já não era de fazer espetáculos de mim mesma. Muito menos espetáculos assim, deprimentes. Não sei bem porque, não que eu ache que chorar é uma fraqueza, acho que é porque eu não sei lidar com gente chorando, mesmo que seja eu. Minhas habilidades sócio-pessoais não são das melhores, nunca foram.

Eu não gosto de chorar, especialmente em público.
Mas às vezes não dá pra evitar. Outro dia fui ao banco, tentar pagar o carro, atrasado, mas não deixaram, porque o carro tá no meu nome e o cheque era do meu pai. Mas, oras, o carro é pago desde 2008, nunca com cheque meu, várias vezes atrasado. E em novembro eu paguei atrasado, no mesmo banco, mas em outra agência, com cheque do meu pai, e ninguém reclamou!… Enquanto eu tentava, em vão, explicar tudo isso pra gerente do banco, foi surgindo um nó na garganta e lágrimas começaram a empoçar os olhos. Subconsciente safado, porque, inclusive, a última coisa que minha mãe fez, fora de casa, antes de ter um treco e ser internada, foi ir exatamente aquele banco, àquela agência, pagar aquele carro, atrasado, com um cheque que não era meu. Na verdade, nem sei como ela pagou, só sei como não pagou: não com o meu cheque, porque depois disso, nos dias que sobraram, este assunto não era importante. Simplesmente não era importante. Mas a gerente do banco não tinha toda essa perspectiva. Pra ela, eu era uma maluca, chorando e tentando, com a voz embargada, explicar alguma coisa sobre como eles deveriam me deixar pagar uma conta, especialmente porque eles deviam estar mais interessados em receber do que eu em pagar. No fim das contas, eu desisti e saí do banco, porque chorar num banco é esquisito demais até pra mim, mesmo sabendo que tinha uma razão por trás daquilo.

Minha mãe morreu em um dia cinza.
Não é a memória afetiva falando, era um dia cinza mesmo, nublado, mas em que não choveu. Pelo menos não meteorologicamente falando. Eu ainda não tinha escrito sobre esse dia, o que quer dizer que não tinha parado pra pensar muito, talvez por evitação mesmo (que é uma palavra feia, mas existe de verdade)... E também quer dizer que, quando escrevi a primeira frase desse parágrafo, as lágrimas voltaram, intrometidas, sem convite. Agora, tentando lembrar, a memória é embaçada, e isso não é culpa das lágrimas, não das de agora.
O dia passou como um borrão, a notícia chegou umas 6h da manhã, me acordando, de um sono meio induzido por um tranquilizantezinho. Santo tranquilizantezinho, aliás. Eu posso ter parecido maluca, mas era uma maluca funcional. O que também pode não ser mérito do calmante, mas do estado de choque. Eu fui ao banco, à farmácia, ao hospital, dirigindo, ao posto de gasolina, fiz comida, fiz café, tive uma crise de choro na hora de escolher uma roupa pra ela, reclamei dos mosquitos, da lerdeza do carro fúnebre, ri no meio do enterro do caixão que quase caiu, chorei inconsolável em meio a vários abraços, feliz por ter amigos, não consegui evitar piadas fora de hora, vi um filme, aliás, muito engraçado, quase não dormi. Eu sei que essas coisas aconteceram, não nessa ordem, mas do que melhor me lembro é de que era um dia cinza. Cinza de nublado, cinza de tristeza e de pesar, cinza de preocupação, cinza do vazio que ficou.

Eu nunca tinha ido a um enterro antes, sou mesmo socialmente inábil, e certamente nunca poderia imaginar que o da minha mãe seria o primeiro. Minha mãe era provavelmente a pessoa que mais me amava no mundo. Certamente, dentre as pessoas que ela amava, era eu a mais amada. Vai ver foi por isso que não queria ter irmãos, porque sou ciumenta e gosto de ser a mais amada. Eu sempre soube disso, que era a mais amada, mesmo quando ela parecia não amar tanto assim, quando me irritava, sim, ela era bem irritante e não virou santa porque morreu. Minha mãe era implicante, intrometida, fofoqueira, barulhenta, superprotetora, chata e irônica. Mas era também a mais engraçada, sem-noção, maluca e simpática. Pelo menos 90% de quem a conhecia, gostava. Ela era meu azeite social, porque conhecia todo mundo, sabia de tudo. Ela quase sempre aparentava bom humor e enchia qualquer lugar com sua risada exagerada. Ela adorava me fazer passar vergonha, sempre ria e me chamava de boba e de antipática. E a gente discutia todo dia, por qualquer bobagem, mas nunca brigava de verdade-verdadeira, à vera. Ela era grande parte da minha vida, a maior, porque tomava conta de tudo, queria saber de tudo, e eu me senti tão sozinha, tão fragmentada quando ela morreu… como uma criança abandonada no mundo pela mãe.
Mas eu já sou burra-velha, eu sei.

Hoje eu fui ao segundo enterro da minha vida, em menos de três meses. A avó da minha melhor-amiga-desde-que-nasci morreu. Era um pouco minha vó também, e foi enterrada no mesmo cemitério que minha mãe. Mas eu não levei flores nem nada, mamãe não era muito chegada a flores, dizia que tinham *cheiro de defunto*. E eu nem sei qual é o jazigo ao certo, sequer faço questão de saber, porque não é ali que ela está. Onde quer que seja, não é ali. Passei o resto do dia meio chorosa, nem fui trabalhar, mas também não fui dormir, vim escrever.

Isso tudo é pra dizer que, quando eu mais me senti sozinha, muito mesmo, de verdade, você sem nem saber, me abraçou e disse “Estamos juntos”.
E quando eu fui fragmentos, você me levou pra casa e me colou.
E, não bastasse o tanto que eu já te amava antes, agora amo ainda mais, porque você é meu melhor-amigo-desde-antes-até-o-infinito-e-além, que me traz sorrisos involuntários, que me inspira e me faz escrever, que me faz acreditar em mágica e esquecer que eu não posso voar.
E porque eu gosto mais de mim com você por perto, já que, na verdade, eu gosto mais é de você.
E porque você é a coisa mais importante que aconteceu comigo hoje e em cada dia dos últimos mais de dez anos, mesmo quando me irrita, pessoa mais implicante que você é.
E também é pra agradecer por ter você na minha vida, porque eu não sei agradecer direito, então, além de prece pra Deus, Buda, Zeus, Alá, Krishna, Jeová, Super-Homem e quem mais quiser me escutar, vim agradecer a você, que entrou na minha vida…
 e resolveu ficar.

Eu não gosto de chorar.
Nunca gostei . Às vezes eu pareço fria, insensível, como se não ligasse pra nada, indiferente. Mas não é isso. É que não sou dada a demonstrações explícitas de sentimentos.
Desde pequena, criança mesmo, já não era de fazer espetáculos de mim mesma.

Mas eu te amo, muito, mesmo, viu?

Lu.

(08-02-2011)

domingo, 30 de janeiro de 2011

Confissão

Você diz que me ama, que eu sou algo assim, brilhante, linda, a mulher da sua vida, sua estrela, seu porquê. E eu sinto tanto medo de que um dia você vá perceber que eu não sou assim essa Brastemp, que não sou suficiente, que eram só as cores da sua memória afetiva me maquiando… e aí você vai partir, me deixar sozinha, sem colo, sem cola, partida. Ou de que um dia você vai encontrar alguém que realmente mereça toda essa atenção, todo esse amor, essa devoção… e eu vou ficar à margem, obsoleta, sem lugar no mundo, sem mundo, sem chão. Se eu não tivesse toda essa certeza, essa tristeza antecipada, essa vontade de chorar… Talvez aí eu conseguisse aproveitar de verdade o nosso tempo juntos, sem achar que tem prazo validade e que vai estragar. E eu tenho ciúmes de todas suas outras possibilidades, da beleza da sua vida sem mim, da tranqüilidade, sim, porque sem mim, você vive em paz, sem os terremotos, os maremotos, a instabilidade dos vulcões… E você é assim, todo certinho, todo centrado, arrumadinho, cheio de planos e planejamentos, enquanto eu sou o caos, fora do mundo, fora do tempo, errante e errada pra cacete mesmo e sempre descabelada. Mas nós dois juntos somos perfeitos, quer dizer, pra mim é tudo perfeito, tudo completo, tirando a parte em que minha própria imperfeição e falta de fé me enchem de *mas...*, essa maldita partícula adversativa dos infernos, que se junta aos *e se* e macula tudo o que há de certo e bonito na minha vida. E não é que eu queira que acabe, eu não quero que acabe!, nunca!, eu quero ser o seu *para sempre*, mas sem conto de fadas, porque eu não acredito em fadas e quero uma vida real, com reclamações de vizinhos e contas a pagar, com mais altos do que baixos, mas juntos e sempre, pro infinito e além. E eu sinto medo de ser provisória, quando devia ser eterna… Só que eu não sei ser de outro jeito, do jeito que eu queria que fosse, que fôssemos, que somos, ou seremos. Eu nem sei que jeito é esse, eu sou uma bagunça até em espírito, encabriolada desde antes de nascer, aposto. E você me atura, as mudanças bruscas de humor, as piadas ruins, a preguiça e a hiperatividade, os filmes bregas e as músicas cafonas, você agüenta tudo, e ainda sorri, com esses olhos que me derretem e hipnotizam, fazendo as coisas chatas da vida suportáveis, esses olhos que me enxergam de um jeito que só você mesmo, uma versão melhorada de mim, maravilhosa, e é isso!, é essa que eu queria ser, a minha eu-você, e *me transformar no que te agrada, no que me faça ver quais são as cores e as coisas pra te prender*, porque eu me pinto delas todas pra você, sem exceção, até de mostarda, que é a cor mais feia que já inventaram. E eu sinto medo de te espantar e te fazer fugir com toda esta afobação, esta intensidade, e de você cansar dos meus esmaltes coloridos, dos penteados inusitados, das ironias e comentários fora de hora, porque é você a primeira coisa que eu quero ver todos os dias quando abrir os olhos de manhã, a única pessoa que quero beijar antes de dormir, e com quem eu sonho, sempre, entre uma coisa e outra. Porque é isso, eu te amo mais do que chocolate com cereja, do que dormir até tarde em dias chuvosos, do que viajar, do que ler histórias de amor e assistir a comédias românticas, do que ouvir Kings of Leon bem alto, cantando desafinada e dançando desengonçada, mais do que o último pedacinho crocante de brócolis frito.
Aliás, eu te amo mais do que Lilás.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Ah,deu (Adeus)

Faz cinco anos que nada aconteceu

Eu deixei de ser sua,
você, de ser meu

Nunca mais nos vimos
ou nos falamos,
onde antes havia luz,
depois virou breu...

E não é culpa minha,
nem é problema seu.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Abandono

Como um palhaço de luto,
você vive me dizendo adeus

Eu
vivo
esperando

como as flores que caem da árvore
e enfeitam o chão.


domingo, 16 de janeiro de 2011

era não era

Não era pra ser assim,
não era pra eu estar sozinha
e fazer nada dos meus dias,
era pra você esperar por mim

Não era pra ser só sombras,
era pr'eu enxergar a luz do sol
e brilhar com suas estrelas
Era você o meu farol

Agora eu sou repetitiva,
Falo só em nostalgia, melancolia
e outros clichês com ou sem rima,
porque estou perdida, à deriva.

Se eu era música,
você era meu sustenido.
Mas agora todo canto
não passa de ruído.

Era pra você estar no meu mundo,
da minha palavra ser o adjunto.
Não era pra ter tanta lágrima,
o plano era mesmo ficarmos juntos

só quero me derreter nos seus braços

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Personagem

Sou uma personagem fictícia perdida no mundo real.

Alguma coisa deu errada na hora da minha concepção: era pra eu viver dentro de um livro, um filme, uma canção, um quadro... Qualquer lugar do mundo das idéias.
Mas, sei lá, ou faltou algum ingrediente mágico ou a minha passagem extraviou.
E eu vim para aqui, em um lugar ordinário, perdida entre contas pra pagar e falta de dinheiro, com problemas tão mundanos quanto os das pessoas de verdade.

É estranho não pertencer ao lugar onde vivo.
Há uma sensação de vazio impossível de se preencher, porque o que falta não vende em loja nenhuma, nem sob encomenda.

Faltam luzes, cores, sons, rimas.
Falta o extraordinário e todos os seus sinônimos.

Uma pessoa abstrata não se dá bem com provas, afazeres, hora marcada, burocracia...
E eu viveria bem só de poesia, romances, música, tintas, sonhos...
Não é que eu tenha alma de artista, ou dom, ou qualquer coisa assim.

Eu não sou criador, sou criatura.

Uma personagem criada não sei por quem, que perdeu o roteiro e veio parar no mundo errado.
Condenada a viver sem encantamento, presa entre a consciência de se saber inapta para o mundo real e a necessidade de se adaptar a ele...

(2007)
--------------------------------------

Estava procurando um diálogo que quero publicar há mais de ano, ou um texto de fragmentos de poesias da Fernanda Young que prometi publicar em 2007... mas não achei nenhum dos dois. Encontrei, no entanto, vários outrosque talvez eu publique depois, da época em que eu morava em Niterói, sem internet, mas com computador. Ah, que saudades.
Este aqui, apesar de antigo, ainda é a minha cara.

domingo, 9 de janeiro de 2011

suicídio

- Naquela época eu não estava muito bem, estava ocupado querendo me matar...
- Você?! Tentando suicídio? Por quê?
- Foi uma questão filosófica: estava tentando me desconstruir.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

sua . sim . sou


A melhor parte de você
sou eu

Sua única certeza,
sua esperança,
as canções de amor não ouvidas,
seu refúgio nas tempestades

Eu sou sua beleza,
seu desejo,
sua constância,
o sal nas suas feridas,
as juras há muito esquecidas,
sua rima,
seu enredo,
suas saudades

Sou em você a sutileza,
os exageros
e os entremeios
todo o brilho e os contrastes
sou eu
os seus sorrisos, a sua lembrança
a vozinha da sua consciência,
sua própria divindade
(pessoal e intransferível)

Também sou sua kriptonita,
seu golinho de cerveja,
sua maior fraqueza,
em seu olhar, a insegurança,
toda a dualidade

Eu sou a ponta do torturante band-aid
no seu calcanhar
e a melodia que nunca para de tocar

É por mim que seus olhos se abrem,
sou eu sua pureza,
seu sonho de criança,
o final feliz do seu conto de fadas,
a sua eternidade


Eu sou a pipa
e você,
minha linha.