quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Carrego sentimentos alheios

As lágrimas são de um filme
tão triste, mas tão triste, que não adiantou a mensagem de esperança no final
ficou o sal na lembrança, a perda,
e a repentina vontade de chorar
sem explicação

Falando em vontade,
essa que às vezes me dá,
de dançar enlouquecida, sem jeito e sem parar,
é toda daquela melodia de notas agudas, harmoniosa, alegre como riso de criança,
que grudou na cabeça feito chiclete
e não sai de jeito nenhum porque eu não sei assoviar

Já todo esse amor que eu sinto,
desmedido e sem explicação,
que é maior que tudo no mundo (o universo dos amores)
tão feliz e correspondido,
não passa de ficção
Vem daquele livro que eu leio há anos e nunca termino
(pra ser sincera, nem pretendo terminar!)…
é que quando tô chegando no final, dá uma saudade!…
aí eu volto, releio, sinto mais um pouquinho,
e me apaixono tudo de novo, como na primeira vez

Sabe o meu lado sombrio? veio de uma pintura
aquela que é quase poesia, quase desespero
uma amargura sem alento
com cores sérias, frias e escuras
que não formam nada definido,
nem mesmo esse sentimento…

E essa solidão,

...Essa solidão…

Ah, não, essa é minha mesmo.

domingo, 12 de outubro de 2008

Ti

longe de ti
não tenho com quem me intercalar
as madrugadas são silenciosas
o silêncio é sozinho
e a saudade me consome

longe de ti
não sei mais onde é meu lar
todas certezas são vaporosas
o mundo fica pequenininho
e meu ego morre de fome

lu, sem ti, é só bege

sábado, 11 de outubro de 2008

Algodão-doce

Acordou pensando em algodão-doce. Daqueles que vendiam em shoppings, parques e festas de rua quando era pequeno, mas que a mãe nunca comprava. “Isso é açúcar puro! Só serve pra engordar e estragar os dentes!”. Aí, ao invés do doce, ganhava rodelas de cenoura no jantar. “É saudável, tem betacaroteno e ainda é adocicada! Isso sim faz bem pra criança”. Como se ele se importasse com o betacaroteno! Mal conseguia pronunciar a palavra! Hoje em dia, se recusa terminantemente a comer cenoura. “É comida de cavalo e de coelho. Não sou nenhum dos dois”. Quando tinha aniversário de algum amiguinho, a coisa mudava de figura. “Pode comer tudo o que quiser. Pega uns pra levar pra casa. Não se recusa nada que é de graça!”. Obediente, não recusava nenhum doce e ainda catava quantos conseguisse e carregava pra casa, onde reinava a antiga regra da moderação: só podia comer um ou dois por dia, dependendo do tamanho. E só depois das refeições, sem exceções.

A primeira vez que se deparou com uma máquina de algodão-doce foi em uma dessas festas, ele devia ter pouco mais de três anos. Seus olhinhos infantis ficaram maravilhados: como aqueles pequeninos cristais (que só foi descobrir ser um tipo de açúcar anos mais tarde) jogados no furo de uma bacia giratória se transformavam em teias coloridas? Em sua cabecinha fantástica, aquilo sim era mágica, sem enganação! Nada de moedas saindo de orelhas, de panos-coloridos-sem-fim, de bolinhas que se dividem e multiplicam… nem coelhos que nascem de cartolas o interessavam! Era criança, mas não era bobo: sabia que tudo aquilo não passava de truque. Já tinha visto o avô fazer um desses e ele não era nenhum mágico! Bastava a moça pegar o palito para sua inquieta atenção se fixar na dança entre mão, palito e teias coloridas. Receber aquele algodão cor-de-rosa era como ganhar um prêmio. Um troféu quase maior do que o próprio menino, mas tão leve! Deliciou-se por alguns minutos até o doce acabar e então, satisfeito e melado, descobriu qual era sua missão de vida: desvendar todos os mistérios do algodão-doce.

Algumas festas depois, percebeu que o universo queria lhe pregar uma peça. Não havia ali a máquina mágica, os doces já estavam prontos, em várias cores, espetados em uma… árvore! Ora, mas não podia ser! Sabe, os adultos têm sempre a impressão de que as crianças são bobas e fáceis de se enganar. Tolice! Elas se deixam enganar de vez em quando, só pros adultos ficarem felizes. Mas ele não ia se deixar enganar, sabia muito bem que algodão-doce não dava em árvore, já tinha visto de onde nasciam: da bacia giratória com o furo no meio. Enquanto todos os outros deviam estar acreditando que aquilo era mesmo uma árvore de algodão-doce, ele, do alto de sua meninice, sentiu-se o mais esperto dos espertos.

Os doces da árvore eram um pouco menores que os da bacia e já vinham ensacados, mas eram igualmente deliciosos. Achou legal isso de já virem ensacados porque assim dava pra levar pra casa. E foi o que fez. Daquela festa, não levou bolo, bola ou brigadeiro, só algodões-doces, tantos quanto foi capaz de segurar. Quatro (com algum esforço e muito cuidado para não se amassarem), que durariam quatro dias, pois a mãe o deixava comer um depois do almoço, mas não depois da janta, “muito açúcar de noite não deixa criança dormir!”. Esperou ansiosamente pelo almoço do dia seguinte, mas quando pegou o doce, percebeu que estava meio murcho. Tirou o saco cautelosamente e, ao tirar um pedaço, achou a textura um pouco diferente. No contato com a saliva, notou que o algodão derretia como se fosse calda de pudim. Hummm. Ficou um pouco intrigado, mas logo a mãe o chamou e ele foi brincar.

À noite, depois da janta, achou melhor ver como estavam os outros algodões-doces. Escalou a cadeira e sentou-se. Os saquinhos estavam ali, deitados sobre a mesa, ainda mais murchos do que de manhã. Imediatamente lembrou-se das bolas que trouxeram uma vez de outra festa: chegaram cheinhas e redondas, mas foram encolhendo, encolhendo, encolhendo… até que encolheram tanto que ele não podia mais vê-las! “Será que… não! O algodão doce é mágico, não vai sumir assim!” Mas a esperança durou poucos segundos, porque logo em seguida lembrou-se de outra bola, que ganhou em um parque. Ela era prateada, meio achatada e… voava! Seu pai disse que era uma bola mágica e só podia ser mesmo: ela nem tinha asas e sabia voar! Logo aprendeu que é mais fácil de perder uma coisa que voa do que qualquer outra, e por isso, a bola estava amarrada a uma linha que ficou segurando como se daquilo dependesse sua vida. Chegando em casa, amarrou a linha na cama, mas continuou segurando só pra ter certeza de que a bola não ia fugir. E ela não fugiu. Mas no dia seguinte, voava um pouco mais baixo. E ela foi caindo, caindo, progressivamente, até que um dia desapareceu, sem deixar pistas. Fugiu, morreu, coitada. Será que foi de tristeza por ficar presa? Dizem que a infância é a época mais importante da vida de uma pessoa, e deve ser mesmo. Além de não comer cenouras, desde que entendeu que as coisas morrem aprisionadas, nunca criou peixe ou pássaros, nem teve um relacionamento duradouro. Ah, mas isso é outra história. Voltemos àquela noite, sentado, na cozinha, vendo os algodões-doces murcharem… e pensando: como se liberta uma coisa que não voa? O mais esperto dos espertos abriu todos os sacos e comeu todos os doces de uma vez. Ao perceber o silêncio na casa, a mãe, indignada, apareceu na cozinha e encontrou o menino todo lambuzado, cercado de palitos e sacos rasgados. “João Pedro, o que você está fazendo? Por que comeu tudo de uma vez?”. “Eles iam fugir, mamãe”. Ele ainda tentou explicar sua lógica infantil pra se livrar do castigo, mas a mãe achou a cena tão engraçada que deixou pra lá.

Naquela noite, não conseguiu dormir direito. Dessa vez, não porque estivesse com a cabecinha a mil tentando desvendar o mistério, mas por causa da dor de barriga que o assombrou por toda a madrugada. Depois disso, ficou com um pé atrás com os doces, aquela dor de barriga só podia ser um castigo. Primeiro ele aprisiona um ser mágico em um saquinho e, ao invés de libertá-los e comê-los logo no dia da festa, deixou-os ali parados, sem função, tristes, sozinhos e abandonados. Ai, quando começaram a fugir, ele, em seu desespero, impediu. Não podia tê-los deixado presos, depois não adiantava mais remediar. Seria essa a lição? Ou será que tinha outra coisa que ele devia der feito? Felizmente sua cabecinha infantil não se perdia nesses devaneios, ainda não se interessava por lições de moral, especialmente essas lições sutis do dia-a-dia. Aos poucos, foi-se esquecendo do acontecido e arrumando novos interesses e descobertas. Voltou a comer o doce outras vezes durante a infância, mas nunca mais experimentou aquele fascínio inicial. E depois, conforme foi crescendo, algodão-doce foi virando artigo cada vez mais raro. Onde já se viu adolescente comendo algodão-doce?! Também não é coisa de adulto! Não vende em restaurante, nem em padaria ou em supermercado… A vida foi passando e ele foi se esquecendo da existência da nuvem cor-de-rosa no palito. Até aquela manhã.

Aos vinte e tantos anos, sem qualquer motivo aparente, João Pedro acordou pensando em algodão-doce. Não era nem vontade de comer, era outra coisa. O oposto da saudade, um tipo de felicidade que só se sente em reencontros. Mas que reencontro? Fazia anos que sequer via um algodão-doce! Também não tinha sonhado com isso. Quer dizer, não se lembrava bem de seu sonho, mas sabia que não tinha algodão-doce. Tinha uma pizza. Um filme. Era um cinema? Ou era um carro? Ah, sonhos são sempre confusos, só fazem sentido enquanto se sonha. Tinha uma árvore também. E seu cachorro, o Rony. E Ana, Ana também estava no sonho. Foi ela quem levou a pizza? Ah, quanta bobagem! João terminou o café e saiu para o trabalho.

Não pensou mais nisso durante o dia. Nem à tarde. Era sexta-feira, só o que interessava era que o dia terminasse logo e desse lugar ao fim de semana. A semana tinha sido cansativa, trabalhara muito e merecia um descanso. Tinha combinado de se encontrar com Ana, iam tomar um chope pra comemorar qualquer coisa. Ela era bonita, inteligente e divertida, sua companhia favorita para uma sexta à noite. Encontraram-se numa pizzaria. Se abraçaram, trocaram beijinhos. De repente ele percebeu que aquilo era amor: Ana cheirava a algodão-doce.
___________________________________
Falta revisar, mas tô com preguiça...