Na primeira vez que conheci Tiago, eu devia ter uns 17 anos e estava começando a faculdade em outra cidade, quando um dia cheguei e casa e recebi um pedido de autorização no ICQ. ICQ, pra quem não é dessa época, era tipo o Messenger, ou uma versão só de computador do whatsapp, mas um cadinho menos invasiva: enquanto no whatsapp qualquer um que tenha seu número de telefone pode mandar mensagem, no ICQ a pessoa tinha que pedir pra ser seu amigo, assim como pedem no facebook. Diferentemente do facebook, no entanto, ICQ não tinha foto nem perfil, então, para você saber quem era a pessoa e decidir se aceitava ou não, esse pedido vinha com uma mensagem. Se quiser mais detalhes, pergunta pro google, porque eu vou voltar pra história.
Eu devia ter uns 17 anos e estava começando a faculdade em outra cidade, quando um dia cheguei e casa e recebi um pedido de autorização no ICQ dizendo “Sou Tiago, amigo do Victor. Sou novo no ICQ e ele me passou uns amigos. Sou pobre, mas sou limpinho”. Ou foi isso ou foi bem parecido com isso, mas o importante é que eu me comovi (e ri) e aceitei a amizade. Como estou numa “vibe” explicativa hoje, Victor é meu amigo e fazia faculdade comigo. Tiago eu já tinha visto de passagem, mas à distância. Na época pareceu meio estranho um desconhecido querendo bater papo, mas, pensando agora, já aconteceram coisas bem piores. Não me lembro se conversei com ele pelo ICQ naquele dia ou em outro, mas foi ali, no “Sou pobre, mas sou limpinho”, em algum dia dos meus 17 anos, que Tiago virou meu amigo da internet.
Cansada de ir e vir pra faculdade, no segundo período eu acabei convencendo meus pais que dividir apartamento com outros estudantes em Niterói era uma boa ideia.
E foi.
Logo depois que nos mudamos (eu, duas amigas de longa data e duas das minhas calouras), resolvemos fazer uma “festinha” à tarde no apartamento, pra qual convidamos uma meia dúzia de pessoas (provavelmente só três).
Naquela época, o celular era um tijolo, a internet era discada e o computador era um monstrengo. Tinha que ser bem rico pra ter um notebook.
Não éramos.
Não tínhamos telefone, internet, computador, nem TV.
Na verdade, também não tínhamos mesa, nem cadeiras, nem muito dinheiro.
Na verdade, verdadeira, só me lembro de um tapete, um pufe e um rádio que tocava CD na sala.
Eu passava a semana lá, quando tinha aula, e voltava pra casa dos meus pais (com mesa, cadeiras, sofá, telefone, internet e computador) nos fins de semana e feriados. Se você não viveu aquela época, talvez não acompanhe sem mais esclarecimento, então vou ajudar: ICQ e email só funcionavam no computador e com internet, que só funcionava com telefone, de preferência nos dias de semana depois de um determinado horário e aos domingos (se não me engano)(porque era caríssimo, mas nesses dias e horários, pagava-se um pulso de telefone só)(não que eu pagasse a conta no final, mas quem pagava, reclamava). Dito isto, em um domingo, antes de eu ir pro apartamento, no dia da “festinha”, resolvi convidar Tiago, por mensagem de ICQ, já que, pra ajudar, ele nem tinha celular pra um SMS. Ele não estava online, então deixei a mensagem lá. Com sorte ele veria.
A meia dúzia de amigos chegou e foi embora, mas nós, que morávamos lá, continuamos sentadas no pufe, no tapete, ouvindo música e conversando (ah, e tomando gelatina com vodca, porque colágeno faz bem). Já era quase meia noite quando o interfone tocou assustando todo mundo.
Era Tiago, meu amigo da internet.
E essa foi a segunda vez que conheci Tiago.
Dessa noite, eu lembro que ele lavou louça (assim como fez centenas de outras vezes quando foi me visitar) e que estava com fome e não tinha comida lá em casa. Então saímos, de madrugada, pra comer alguma coisa. Lembro que passamos horas andando até o único restaurante que ficava aberto até muito tarde, ficamos horas lá e mais outras horas voltando.
Tá bom, talvez não tenham sido tantas horas assim, porque o Ingá é do lado de Icaraí.
Mas foram.
Horas andando e conversando sobre os assuntos mais importantes do universo, como, por exemplo, como os meses têm nomes errados (setembro devia ser o mês sete, outubro o oito, novembro o nove e dezembro, o dez), ou como a novela que ele achava que eram três (a dos drogados, a dos muçulmanos e a dos clones), era só uma bem ruim mesmo.
Lembro que ele me levou de volta pra casa quando já estava amanhecendo, quando uma das minhas amigas estava acordando pra ir caminhar na praia e me olhou com cara de ressaca (tinha sido muita gelatina, muito colágeno) estranhando eu estar chegado e casa àquela hora, com aquele desconhecido.
Mas aí já não era mais desconhecido, porque naquele dia (que, reza a lenda, foi um 22 de novembro), Tiago virou meu amigo.
De lá pra cá, foram-se anos, quase vinte (que horror), de muitas histórias absurdas (que eu não vou contar porque já está tarde) em que meu amigo da internet virou meu melhor amigo, meu interlocutor favorito, aquele que se eu morrer primeiro, morre depois.
Ti, feliz aniversário. Te amo.