sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

The Sound of Silence

Falta de assunto,
acontece várias vezes.
Não porque realmente não tenhamos assunto algum,
mas porque há tantos possíveis,
que nenhum parece relevante.
E mais: ficamos tão preocupados em encontrar um assunto
para preencher um silêncio em uma conversa,
que acabamos não falando nada,
ou simplesmente falando sobre o tempo,
ou sobre o último capítulo da novela das oito.

Tiago e eu vivemos sem assunto ao telefone
e, estranhamente, nossas conversas normalmente são longas.
Dia desses, algo nos levou a falar sobre a chuva,
e ele, sabiamente, lembrou-se de um verso
do meu amado Mario Quintana:

"Esses que puxam conversa sobre se chove ou não chove - não poderão ir para o céu! Lá faz sempre bom tempo..."

De fato, dificilmente conseguimos suportar
um longo período de silêncio diante de outrem.

Em uma madrugada qualquer
eu estava vendo tv quando começou
“Everybody Loves Raymond”, na Sony.
O Ray é casado com a Debra
há sei lá quantos anos.
Em um dia dos namorados,
eles vão para um restaurante
e não têm assunto algum.
Daí, ficam horas falando sobre
o pão e a manteiga.

Chegando em casa,
Debra começa a reclamar
da falta de assunto entre eles,
afinal, eles só conversavam sobre
família ou contavam antigas histórias
que já estavam cansados de ouvir
e de contar.

Não vou contar o episódio inteiro,
que nem foi tão brilhante assim.

Vou apenas tomar emprestado
algo que achei interessante
e sobre o qual me deu vontade de escrever.
Inclusive, vou logo avisando:
O assunto agora não é mais
“falta de assunto”,
e sim, “excesso de silêncio”.

Não é sobre experiências pessoais
com o silêncio,
mas sobre experiências coletivas
com ele.

Já há algum tempo
eu venho observando como as pessoas
respondem ao silêncio
quando têm outras pessoas à volta.

O silêncio incomoda.

Muitas vezes, quando duas ou mais pessoas estão assistindo a um filme
e, de repente, em uma cena,
faz-se silêncio,
começa-se a procurar alguma coisa,
não sei o quê.

É como se apenas a imagem não bastasse,
não fosse o suficiente para preencher aquele momento.
É preciso que haja algo mais:
um diálogo, uma música,
Sei lá!  Qualquer coisa!

Por vezes é neste silêncio que começam a comentar o filme
ou falar sobre algum outro assunto que, porventura, antes houvesse escapado.

John Cage, artista contemporâneo norte-americano,
criou muitas obras experimentais com a música,
inclusive, a famosa 4’33”, em 1953.

4’33” é uma música composta inteiramente por pausas,
ou melhor, por silêncios.
Em sua primeira apresentação pública,
o pianista que ia interpretar a peça
entrou no palco em silêncio,
abriu a tampa do piano,
e ficou parado, olhando para a partitura
e acompanhando as pausas descritas.

O silêncio só era interrompido
para que o pianista virasse as páginas das partituras,
ou para que ele fechasse e abrisse novamente
a tampa do piano,
indicando o início de um novo movimento
– ainda de pausas –
da música.

A princípio, o público ficou quieto,
tentando entender o que se passava.
Após um breve tempo, iniciaram-se os cochichos,
as conversas, e as reclamações. 
Quatro minutos e trinta e três segundos
foi o tempo máximo que o público conseguiu ouvir o silêncio sem reclamar.

No meu primeiro semestre na faculdade,
tive uma matéria de História da Arte
onde estudamos arte contemporânea. 
Na sala, nunca ninguém havia ouvido
falar de John Cage ou do seu experimentalismo. 
Então, o professor passou uma fita
com a apresentação da obra 4’33”. 

A reação dos estudantes foi a mesma do público. 
Primeiro, ficaram todos calados,
apreensivos com o início da música. 
Conforme o tempo foi se passando e não se ouviu nenhuma nota do piano,
começaram a surgir ruídos, risadas, comentários e reclamações.

Depois, o professor explicou a intenção de Cage,
que não compôs uma música apenas de silêncio,
mas pelos sons ambientes dentro do teatro. 

Assim, cada vez que 4’33” é apresentada,
é uma música diferente,
composta pelos silêncios e ruídos de cada platéia.

Ainda testando sua criação, Cage ouviu-a
dentro de uma sala onde som algum penetrava. 

Mesmo assim, ele não pode ouvir o silêncio absoluto:
ouvia os ruídos de seu coração pulsando e de sua respiração.

Não é possível que haja silêncio absoluto onde tem alguém.
Muito menos onde há duas ou mais pessoas.

Ainda assim, é com medo desse silêncio absoluto
que as pessoas não se sentem confortáveis em silêncio.

Minha mãe é uma dessas pessoas.
Ela não consegue estar na presença de outra
sem falar ou ouvir algo.

Sabrina também é assim.
Só que ela chega ao extremo de dizer
qualquer primeira bobagem que passa pela cabeça
a fim de quebrar o silêncio.

Muitas vezes, quando eu estou perto
de alguém que não conheço muito bem,
sinto-me nessa obrigação de quebrar o silêncio,
para não parecer que não estou gostando da companhia
ou que a situação está desconfortável.

Engraçado.

Acho que isso acontece a muitas pessoas,
que ficam procurando assunto
por estarem em uma situação desconfortável
sem querer mostrá-la.

No tal episódio que eu vi, eles falavam também
de um silêncio ao qual eu já me referi,
alguma vez, por aqui: o silêncio reconfortante,
aquele que se dá entre duas pessoas
que se conhecem há muito tempo e se amam.

Creio que seja uma situação cada vez mais rara,
onde você consegue andar ao lado de alguém sem falar nada,
e sentir-se confortável ainda assim.

Conseguir ficar ao lado de uma pessoa,
trocando longos olhares recíprocos,
sem dizer uma só palavra,
mas, mesmo assim,
conversar através do olhar.

“O silêncio não sustenta o peso de longos olhares recíprocos, exceto nos filmes de amor, e nem mesmo nos filmes de amor porque ali, quando cessa o diálogo, o diretor sempre coloca uma música.” (Chico Buarque, Benjamim)

Chico Buarque parece não acreditar na existência disso.
Eu, tento acreditar.
Mas não sei se, de fato, o silêncio pode
sustentar “o peso de longos olhares recíprocos”...

O que sei, de fato,
é que é possível sentir-se bem na presença de outrem
sem a necessidade de um ruído sequer.
Que, só de estar na presença do outro
– que pode até estar dormindo,
ou em outro cômodo,
ou conversando com outra pessoa... –,
só de sentir a presença do outro,
parece que a vida ganha mais significado,
e que o mundo se torna um lugar mais agradável...

Enfim, não falemos mais nada.
Fiquemos todos no mais profundo e terno silêncio,
onde só podemos ouvir as nossas respirações
 e o bater dos nossos corações
– e, sinceramente, o que de mais belo e simples poderíamos escutar?

(Acho que é de 2003)